O movimento MFA - Médicos, Familiares e Amigos- deslocou-se a Sanabria para treinos militantes ao passarem 50 anos da Revolução dos Cravos. Saídos de Coimbra, integraram a cabeça do pelotão perto de Viseu e rumaram a Chaves para um treino de aquecimento. Margem do Tâmega, Bairro da Madalena, Ponte de Trajano, restaurante A Romana...A chaimite ficou na cidade, coberta de cravos vermelhos e a companhia seguiu para Puerta de Sanabria. Novo treino para percorrer a Calle Arrabal, Calle Florida, Calle Costanilla até à Praça Maior, com a Igreja românica de Santa Maria de Azogue, do século XII e a Ermida de S. Caetano, do século XVIII, barroco. O Castelo de Puebla de Sanabria, mandado construir pelos condes de Benavente no século XV, e descendo sempre junto à muralha, a Calle Muralla, com uma vista deslumbrante sobre o Rio Tera, sub-afluente do Douro, e outra não menos interessante de imensos bares ao longo de todo o percurso. Ia o regimento nesta azáfama, ouve-se em bom português : - "Olá Fátima, como estás?"- Seria para nós?! Quem é que está a chamar pela Fátima ?!? Eram amigos, colegas de Coimbra, que integravam outro pelotão a caminho dos picos da Europa...Adeus, adeus, que se faz tarde, temos que nos aquartelar antes das seis, a sentinela que nos entrega as chaves tem hora marcada na peluqueria !! Na verdade, nem precisava...aquele cabelo grisalho, de corte revolto, dava-lhe todo o charme...
Mas aquartelemo-nos então, na Casa Rural entre Acebos, nº 32-34, uma casa de família que data de 1901, mas que continua firme como uma pedra !!
O grupo reuniu-se para jantar á volta de uma comprida mesa na messe dos oficiais, onde o rancho foi partilhado. Ao serão cantou-se Abril (mal...mas cantou-se...), festejou-se Abril, recordando tantas e tantos que tornaram possível a Revolução, lutando sem outras armas que não fossem a palavra, o poema, a canção, o silêncio, o exílio...E a festa durou até ás tantas ! E a foice...foi-se...
Na manhã seguinte a tropa preparou-se para um exercício a sério, não um simples treino como tinham sido os anteriores...Alguns oficiais, mais previdentes...ou avisados atempadamente...engoliram um pequeno almoço como se não houvesse amanhã! Outros...nem por isso... Partiram, convencidos que um trilho com grau de elevação de 644 metros era uma brincadeira de crianças...Não eram percorridos 500 metros, o comandante-em-chefe decidiu voltar para o quartel, para estudar a estratégia de militância com mais pormenor e em sossego. Seguiram os outros em frente, pela Ruta do D. Quixote, antevendo a qualquer momento poder surgir a figura do Sancho Pança numa curva do caminho, ou podendo ouvir-se o relinchar do Roncinante! Afinal estava o pelotão na Ruta das Vacas e aí vinham elas, a subir a serra com toda a ligeireza, badalando os chocalhos .Eram seis ao todo e vinham com algum intuito sem dúvida, uma vez que paravam sempre que o pelotão da frente parava, para imediatamente se porem em marcha quando aquele se movia!
Saiu o grupo desta Ruta para se meter na Ruta dos Javalis, e depois na Ruta das Pedras, e na Ruta dos Charcos e dos Riachos, e das Cascatas e do Lago, e do Granizo e das Giestas, mas era tudo tão bonito que não apetecia vir embora. E ali estávamos nós, uns mais ou menos deitados, outros mais ou menos em pé, a pensar no que iríamos fazer a seguir...O ar rarefeito àquela altitude(mais de 1600 metros) ou os pós que alguns tiveram que ingerir deram azo a alucinações! Ocorreu que um furriel afirmou ter visto o major-general á porta do quartel, a sacudir a toalha de mesa como se agitasse uma bandeira e um pastor de sonhos, ali junto á tropa, a partilhar o pão duro e o queijo que trazia na sacola.
Chovia quando a tropa entrou na caserna. Um duche impunha-se ,até porque, entre tantos obstáculos superados, tinham passado um rio de bosta!!...
Seguiu-se um compacto-almoço/lanche/jantar no Restaurante Peamar, em Puerta Sanabria. Um furriel interpelou o empregado de mesa : "Falas muito bem português !! De onde és ?" - "Sou de Bragança".-respondeu . "Pois olha, afinal não falas tão bem assim..."
Da refeição , não sobraram nem as migalhas !!Tudo a postos para regressar à base, para mais um serão de cantoria, desta vez tirando do baú canções dos festivais da Eurovisão, com coreografia a acompanhar e muito licor Beirão à mistura...
Noite tranquila, sem invasões nem sobressaltos. Na manhã seguinte mais um treino, junto ao lago de Sanabria, um dos maiores lagos glaciares da Europa, alimentado pelo Rio Tera. Mal a tropa tinha iniciado a caminhada, aparece no outro lado da estrada a Pipi das Meias Altas, com as suas tranças louras, a perguntar se íamos para a Ruta do Bacalau...Não, íamos para a Senda do Lago Sanabria e dos monges, mas ...nunca se sabe!! Sete km até Chiringuito Los Enanos, quase sempre à beira do lago mas não se pense que o pelotão pisava areia fina da praia fluvial ! O caminho era bem acidentado, mas muito favorecido por comparação com o da véspera !! Em todos os aspectos !! Só para dar uma ideia, no bar do Chiringuito já estavam á espera do grupo com cerveja e tortilha e daí, sem hesitação, Amparo carinho, prepara mesa para dez aí no Don Pepe, agora sim, estamos na Ruta do Bacalau !! Foi um almoço inolvidável pela qualidade e quantidade, pela boa disposição e camaradagem, pelo conforto da sala bem aquecida, com vidraças para o lago, e uma rodada de licores por conta da casa...Na mesma sala, um português solitário uma mesa, caminheiro também por aqueles trilhos,quis saber de onde éramos e para onde íamos. Iríamos seguir pela Senda dos Monges até ao Mosteiro de San Martin. Um frio de gelar os ossos, sempre a subir até ao Convento dos Monges Cistercienses, donos do lago e das trutas que nele cresciam, naqueles idos de 900...Fizeram os interessados uma visita ao Centro de Interpretação e depois caminharam a descer até ao miradouro onde estavam os carros estacionados. O vento gelado agitava fortemente as águas do Lago Sanabria, que de manhã parecia um espelho gigante...Mais acima há outro lago, o dos Peixes. Aí estava a nevar, o frio não convidava a batalhas de bolas de neve...
Tocaram as tropas a recolher, levando para o quartel-general alimentos para a ceia, constante de um caldo de alho francês e de diversos, ou seja, tudo o que ainda sobrava na mesa e no frigorífico. Não foi capaz o pelotão de acabar com o rancho...as músicas animaram a última noite na Casa entre Azevinhos. Dois furriéis saíram para a ronda, foram ter á Ruta dos Sapos !
Ia alta a manhã quando se fizeram á estrada de regresso, serra abaixo até Bragança, almoço na Taberna do Javali, a cabeça do dito sobre a cabeça de um de nós, oxalá esteja mais firme do que a foice...E porque os caminheiros do que gostam mesmo...é de caminhar...passeio na amurada do castelo de uma ponta à outra ,depois nas ruas estreitas do centro histórico para entrar numa loja de artesanato e apreciar, ao vivo e a cores, uma demonstração do verdadeiro Entrudo de Podence e arredores. " Oh senhor, chocalhe lá mais um bocadinho ".
" EU QUERIA ESTAR NA FESTA, PÁ, COM A TUA GENTE E COLHER PESSOALMENTE UMA FLOR DO TEU JARDIM. "
ABRIL SEMPRE.