Na sequência das Circulares Normativas n.ºs 36 e 37 do CHUC (que suspendiam a “autorização para acumulação de funções médica”) e da Circular Informativa da ACSS, aquela E.P.E. do SNS voltou a emitir nova Circular Normativa (n.º73/2020, de 22 de Maio) por via da qual vem definir, “enquanto se mantiver a situação de calamidade”, designadamente que:
“a) (...) recomenda aos profissionais, com processos de acumulação de funções autorizados antes do início da pandemia, que não reiniciem a sua actividade presencial em outras entidades devido ao risco associado à circulação entre instituições;
b) aos profissionais que, ainda assim, pretendam retomar a acumulação de funções, deverão solicitar autorização para o efeito (...);
c) o requerimento deverá ser informado pela hierarquia respectiva, designadamente sobre a conveniência para o serviço resultante da acumulação de funções pretendida (...)
e) Não são autorizados novos processos de acumulação de funções....”
Sem necessidade de grandes considerações, dada a simplicidade da questão, deve desde já chamar-se a atenção para dois aspectos verdadeiramente decisivos nesta Circular Normativa:
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primeiro, é totalmente legítimo ao CHUC emitir a circular em análise;
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segundo, a mesma não é seguramente aplicável à actividade privada a título autónomo (prestação de serviços) dos trabalhadores médicos sindicalizados.
Dito isto, faz-se notar que se mantêm plenamente válidas as conclusões já avançadas por este Gabinete Jurídico logo no dia 16 de Março (Parecer Jurídico n.º 26), em relação à Circular Normativa n.º 36/2020, e que não mereceu qualquer alteração com a Circular Informativa da ACSS ou com a posterior Circular Normativa n.º 37/2020 do CHUC.
Com efeito, as premissas e conclusões então avançadas mantêm-se totalmente válidas, repetindo-se nesta sede o que já anteriormente se havia avançado:
1. Esta circular não é aplicável aos trabalhadores médicos associados do SMZC que previamente tenham entregue (ou o venham a fazer) o compromisso de honra de inexistência de incompatibilidades para o exercício de actividade privada a título autónomo (prestação de serviços), e que não estejam obviamente abrangidos pelo regime de dedicação exclusiva.
Com efeito, nos termos do n.º 1 da Cláusula 8ª dos dois Acordos Colectivos de Trabalho Médico:
“Nos termos do número 3 da Base XXXI da Lei de Bases da Saúde, aos trabalhadores médicos é permitido exercer a actividade privada, em regime de trabalho autónomo, mediante a mera apresentação à entidade empregadora pública de compromisso de honra de que por esse motivo não resulta qualquer condição de incompatibilidade, conforme modelo de declaração que consta do anexo III ao presente acordo, dele fazendo parte integrante.”
Assim, como resulta evidente, para os trabalhadores médicos sindicalizados não é exigível qualquer pedido de autorização para exercer actividade privada a título autónomo (prestação de serviços médicos), bastando a mera entrega do compromisso de honra publicado em anexo aos dois ACTS.
Consequentemente, esta Circular Normativa do CHUC não se aplica aos associados do SMZC que exerçam actividade privada a título autónomo e que tenham previamente entregue tal compromisso de honra (ou o venham a fazer), já que para exercer esta actividade privada a título autónomo nenhum associado do SMZC/FNAM tem de solicitar qualquer autorização prévia ao empregador.
2. Quando a actividade médica, pública ou privada, seja prestado pelo associado do SMZC ao abrigo de um segundo contrato de trabalho, remunerado, isto é, quando é prestada a título subordinado, os mesmos dois ACTS médicos (tal como o regime previsto nos arts. 20º e seguintes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), indicam que é necessária autorização do empregador, havendo aqui que destacar que, em face até da “suspensão dos limites de trabalho extraordinário”, é compreensível que o CHUC possa ter de “exigir” mais do trabalhador médico nestas circunstâncias, sobretudo em determinadas especialidades.
Porém, importa não esquecer que só porque houve autorização prévia do CHUC é que foram, neste casos, assumidas outras obrigações laborais paralelas, públicas ou privadas, e esta “autorização” para acumulação de funções, públicas ou privadas, a título subordinado, não parece poder estar sujeita a qualquer “suspensão”, que possa designadamente determinar o incumprimento do contrato paralelo, sem prejuízo, como se disse, de a suspensão dos limites do trabalho suplementar poder, na prática, impedir a efectiva acumulação de funções.
3. Em suma, não se vê como pode o CHUC determinar a “suspensão temporária de autorização para acumulação de funções públicas ou privadas”, estando completamente afastada esta possibilidade em relação à actividade privada a título autónomo dos associados do SMZC que tenham entregue (ou venham a entregar) o devido compromisso de honra, embora se admita que, suspensos os limites do trabalho extraordinário, possam surgir eventuais conflitos na compatibilização das duas ou mais actividades, sejam elas prestadas a título autónomo ou subordinado e sejam elas públicas ou privadas.
No resto e antes de terminar, importa ainda salientar que o Ministério da Saúde, por via do Despacho n.º 5314/2020 e já no domínio do “estado de calamidade” veio dar um conjunto de orientações que os serviços e estabelecimentos do SNS devem adoptar “enquanto a situação epidemiológica o justificar, e em especial durante o estado de calamidade”, e que passam designadamente pelo recurso ao teletrabalho (sempre que possível), pelo agendamento com hora marcada ou pelo recurso ao desfasamento de horário de atendimento. Ora, esta última orientação (recurso ao desfasamento de horário de atendimento) vai implicar que sejam adotados os chamados horários desfasados médicos (“aquele em que, embora mantendo inalterado o período normal de trabalho diário, permite estabelecer, serviço a serviço, ou para determinados grupos de trabalhadores médicos, horas fixas diferentes de entrada e ou de saída ao longo do dia, ou durante a semana”, nos termos das Cláusulas 37ª e 38º dos dois ACTS Médicos), o que pode também, a par da suspensão dos limites do trabalho extraordinário, condicionar ou limitar o exercício da actividade privada médica. Porém, sendo possibilidade expressamente previstas na Lei e nos ACTs médicos, o recurso às mesmas afigura-se absolutamente legítimo, nada havendo a apontar às mesmas.